sábado, 22 de fevereiro de 2014

A Uberlândia de João Rodrigues Bolinho: a cidade vista do bairro Patrimônio


Uberlândia tinha pouco mais de 22 mil habitantes quando o sambista João Rodrigues nasceu, em 1941, no bairro Patrimônio, na zona sul. Bolinho – como ficou conhecido anos mais tarde – é o quarto de oito irmãos e o homem mais velho dos filhos. Casado por duas vezes e pai de cinco filhos, o aposentado de 72 anos declara seu amor pela cidade, mas afirma que tem saudade dos tempos em que era pouco maior que um povoado.
Da infância, Bolinho lembra-se das brincadeiras nos córregos e das frutas nos pomares do bairro onde nasceu, cresceu e onde mora até hoje com a família. “A cidade parecia mais uma fazenda, cheia de árvores e mato. Meus irmãos e eu fazíamos pequenos poços nos córregos e os batizávamos com nomes divertidos”, disse. Ele conta que na lateral da atual avenida Rondon Pacheco existiam lagoas que abrigavam jacarés. “Tinha muito mesmo, e tinha também rã, que a gente caçava.”
Segundo Bolinho, as casas eram espalhadas em diversos pontos. “Existiam poucos bairros e as casas eram maiores e mais abertas. As ruas não eram asfaltadas. Eram de terra e com pedrinhas conhecidas como ‘pé de moleque’”, afirmou. O bairro Patrimônio foi um dos primeiros fundados na cidade e era um dos poucos que existiam até a década de 1960. “Como no Patrimônio as ruas eram de terra, nós éramos chamados de ‘pés vermelhos’, mas não gostávamos do apelido. Se a gente fosse ao Centro – que hoje é o Fundinho – e alguém nos chamasse assim, dava briga”, disse.


Bolinho nasceu e vive no bairro Patrimônio até hoje, de onde viu a cidade se desenvolver (Foto: Cleiton Borges)



Outra lembrança que marcou a vida do sambista foi o preconceito racial em meados do século 20. “Na avenida Afonso Pena, negros e brancos não dividiam o mesmo passeio. À esquerda [sentido Fundinho], passavam os brancos e à direita [mesmo sentido], os negros”, disse. A diversão também pregava a segregação racial. “No bar ‘A Mineira’, que era popular na cidade, negros não entravam de jeito nenhum. A cidade era muito preconceituosa e acho que ainda hoje carrega um pouco do preconceito racial”, afirmou.
Infância
A jovem cantora Tarsila Rodrigues estava com apenas sete meses de gestação quando João Rodrigues veio ao mundo, ainda prematuro. “Era aniversário de uma das minhas irmãs e minha mãe atravessou o rio de canoa para chamar os parentes que moravam do outro lado. Quando voltou, ela entrou em trabalho de parto e eu nasci”, disse. O apelido de Bolinho veio logo na primeira infância. “Eu devia ter uns 2 anos, e na época era comum que as mulheres colocassem pratos com bolo perto dos rádios. Numa dessas, meti a mão no prato e peguei um pedaço muito grande de bolo. O apelido pegou”, afirmou.
Aos 7 anos, Bolinho se mudou com a família para uma fazenda, onde ficou por dois anos. “Meu pai era meio aventureiro. Se dissessem que tava dando dinheiro em algum lugar, ele ia atrás”, disse. Depois da empreitada, o menino voltou para a antiga casa, no Patrimônio e, mesmo tendo se desfeito do imóvel, não saiu mais do bairro.
Com os 2 cruzeiros que ganhava da mãe aos domingos, Bolinho comprava o ingresso da matinê e ia se divertir no cinema da cidade. “Na verdade, o ingresso custava uns 50 centavos de cruzeiro. Com o resto, comprava pipoca e um monte de doces.” Outro lazer comum na época eram os bailes de carnaval e as festas nas casas de amigos. “O pessoal do Patrimônio sempre foi muito religioso e, depois da reza, sempre tinha um baile.”
O samba
Bolinho começou a cantar ainda criança, com pouco mais de 10 anos. “Aprendi vendo a minha mãe. Como ela cantava quase o tempo todo, com tudo o que ia fazer, fui assimilando isso e comecei a gostar.” Ele afirma que sua preferência sempre foi pelo samba, mas não descarta a oportunidade de ouvir música de qualidade de outros ritmos. “Gosto de música com melodia, arranjo e letra, não importa qual o estilo”, afirmou. Aos 13 anos, fundou a Escola de Samba Tabajara, que completa 60 anos de existência em 2014. “Fui eleito presidente de honra e desfilo todo ano pela escola. Amo samba e Carnaval”, disse.
Durante a vida, Bolinho conta que teve que trabalhar duro para conseguir vencer. “Comecei a trabalhar de carroceiro aos 9 anos. Ia acompanhando meu pai. Depois que ele faleceu, quando eu tinha 11 anos, virei o homem da casa porque era o filho mais velho dentre os homens e trabalhei em muitos lugares para ajudar minha mãe.” Segundo o sambista, a primeira tarefa era levar comida para os amigos do bairro que trabalhavam no frigorífico. “Saía de casa às 11h e carregava um cesto com 12 caldeirões de comida a pé até o local em que eles trabalhavam.” Depois disso, Bolinho também trabalhou em frigoríficos e fábrica de ladrilhos.

Repórter: Cindhi Belafonte
Reportagem retirada do jornal Correio: http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/a-uberlandia-de-joao-rodrigues-bolinho-a-cidade-vista-do-bairro-patrimonio/

Autor da postagem: Luiz Fernando Pereira Freitas

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